terça-feira, 29 de novembro de 2016

RECONSTRUÇÃO ÍNTIMA

Um caminheiro prosseguia em sua solitária jornada, através de uma pequena trilha erma e distante,  para ele ainda totalmente desconhecida.

Acabara de amanhecer e já havia indícios de que um sol causticante o castigaria ao longo do trajeto daquele longo dia.

Caminhou por quatro longas horas, tropeçando em pedras pontiagudas, ferindo seus braços nos arbustos, sofrendo com os galhos baixos, que atingiam seu rosto e sua cabeça.

Após caminhar mais de 10 quilômetros cansou-se e resolveu então sentar-se à sombra de uma frondosa árvore. 

Trouxera consigo algumas garrafas d'água. Garrafas de vidro com tampinhas metálicas de pressão. Ele as preferia porque depois as reutilizava para transportar também outros líquidos, utilizando rolhas para tampá-las.

Sentado confortavelmente sob a sombra fresca daquela abençoada árvore, a primeira coisa que fez foi pegar uma das garrafas, pois a sede era grande.

Tomou da pequena garrafa e ignorando que trouxera também um abridor na sua mochila, pôs-se a tentar abri-la com os dentes. 
Depois de algumas tentativas infrutíferas que resultou na quebra de um dos dentes e  um corte no lábio inferior, desistiu de abrir dessa forma. 

O gosto de sangue na boca fez com que a vontade de tomar a água aumentasse ainda mais. Foi então até um mourão ali próximo onde existia um prego sustentando o arame.

Enroscou a tampa na cabeça do prego, bateu firme com a mão sobre a tampa, entretanto, ao fazer isso, sua mão atingiu uma ponta do arame farpado sujo e enferrujado, causando um profundo corte. 
O sangue manchou imediatamente a garrafa, já aberta.

Assustado, com muita dor e ao ver o estado do arame que o ferira (enferrujado e coberto de sujeiras), ficou com medo de contrair uma doença grave (tétano?) e afoito, acabou utilizando todo o conteúdo daquela garrafa para lavar seu ferimento.

Já refeito do susto, volta para a sombra da árvore, pega uma outra garrafa, toma do abridor, abre a mesma e mata sua sede, refletindo sobre sua tolice anterior, que o fez quebrar o dente, cortar a boca, ferir a mão e ainda perder uma garrafa cheia d'água que faria muita falta à ele durante sua longa jornada.

Quantos de nós, no decorrer da nossa jornada não cometemos o mesmo desatino, ignorando o bom senso, a razão e os conhecimentos já adquiridos na nossa existência  e por conta da nossa invigilância e negligência sofremos desnecessariamente?

Quantos de nós, à exemplo do nosso personagem,  já não sofremos as consequências de atitudes intempestivas e impensadas, olvidando os princípios morais e éticos por nós já assimilados e nos permitindo lançar nos abismos do erro?

Como o caminheiro, que somente após os ferimentos e a frustração resolveu fazer a coisa certa, muitas das vezes também somente buscamos o caminho reto depois de sofrermos as consequências do desacerto.


Não raro, ainda jogamos a culpa dos nossos insucessos e desventuras nos outros, fazendo questão de esquecer de que estamos apenas colhendo o que plantamos.

Somente através da reflexão,  do reconhecimento das nossas imperfeições e vulnerabilidades e do firme propósito na recondução das nossas vidas é que partiremos para nosso processo de "reconstrução" íntima, tão necessário para que atinjamos o nosso tão almejado destino que é a perfeição.



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