domingo, 26 de março de 2017

A FELICIDADE ESTÁ NAS COISAS SIMPLES

Em uma dessas conversas descontraídas entre amigos de infância, num momento de descontração, acabamos nos lembrando de um dos nossos colegas de classe do tempo do "colegial" e de um episódio que se eternizou em nossas memórias.

A maioria de nós vinha de famílias pobres, existia uma grande dificuldade para que nossos pais conseguissem nos manter na escola porque faltava dinheiro até mesmo para comprar os lápis e cadernos, mas isso não acontecia com o colega que nos veio à mente naquele momento.

Aquele nosso colega, que trazia um sobrenome conhecido e afamado na cidade, era levado para a escola em carros luxuosíssimos, vestia-se bem (o uniforme era impecavelmente limpo, passado, confeccionado com tecidos de excelente qualidade e parecia que tinha uma peça para cada dia da semana).

Como era de se esperar, Luis Fernando (este era seu nome), vivia assediado pelas meninas mais bonitas do colégio e convidado a participar de todos as brincadeiras no intervalo e de todos os grupos que se formavam em classe para elaboração de trabalhos.

Eu fazia parte de um pequeno grupo, de filhos de ferroviários.
Morávamos nas "Casas da Turma", onde residiam os trabalhadores que cuidavam da via permanente (manutenção da linha), tínhamos pouco contato com ele, mal nos falávamos. 
Na verdade sentíamos um pouco de inveja dele (principalmente porque as garotas somente tinham olhos para ele e sequer nos notavam, tratando-nos com total indiferença).
O "riquinho" da classe não fazia parte do nosso grupo de amigos

Estudamos três ou quatro anos juntos, na mesma classe, mas a distância entre nós era  gigantesca, não porque ele fosse arrogante ou ostentasse sua condição social, mas de fato não nos sentíamos à vontade para estar com ele.

Um belo dia nosso grupo estava sentado no pátio, bem aos fundos da quadra esportiva que ali existia, brincando, dando gostosas gargalhadas das palhaçadas de um dos nossos, quando o Luis Fernando se aproximou.

Estranhamos, a surpresa foi tanta que até paramos nossas brincadeiras. 
Ele se aproximou, muito educado pediu licença, após acenarmos com a cabeça concordando com sua presença ele puxou um lenço do bolso, forrou o degrau onde estávamos sentados, sentou-se conosco,  esboçou um sorriso e disse com simpatia e simplicidade:

- Me ensinem a ser felizes como vocês são. Vocês dão risadas o tempo todo, se divertem com qualquer coisa, nunca se separam, de onde vem esta alegria?

A pergunta nos pegou de surpresa porque na verdade nunca tínhamos pensado nisso (nem percebido). 
Não sabíamos o que responder, ficamos olhando um para a cara do outro e para variar, demos gostosas gargalhadas. 
Ele riu junto, começou a participar das nossas brincadeiras de trocadilhos e piadas até bater o sinal e retornarmos à sala de aula.

A partir daquele dia, Luis Fernando sempre fugia do assédio das meninas bonitas que o rodeavam, optando por ficar conosco nos intervalos.

Um belo dia arriscou-se até mesmo a jogar uma "pelada" conosco na quadra, correndo sem jeito com aquela roupa toda "engomada". 

Esta foi sua "cerimônia de iniciação ao grupo". Depois daquele dia em que levou umas caneladas e acabou rasgando o joelho da calça num dos seus tombos, integrou-se ao nosso grupo e tornou-se nosso amigo.

A cena se repetiu durante meses, ele não mais se afastou de nós.

No encerramento do ano letivo, eis que no intervalo, chega o tal carro luxuosíssimo e para na porta da escola. 
Observamos apreensivos que do carro desce uma senhora vestida como se fosse à um "baile na corte", atravessa a quadra e vem em nossa direção.

Ficamos assustados, pois achamos que seríamos repreendidos por ela, afinal o Luis ultimamente não estava voltando para casa tão limpinho e alinhado como antes. Nos encolhemos no nosso canto e esperamos que ela se dirigisse à nós. O Luiz Fernando estava conosco e também se surpreendeu com a presença da mãe que viera sem avisá-lo.

Diferente do que imaginamos, ela chegou sorridente, o motorista a acompanhava com alguns pacotes. Ela abraçou e beijou o filho e disse ao garoto:

- Apresente-me seus amigos, filho!

Ele nos apresentou, ela apertou a mão de cada um de nós, nos chamou pelo nome e entregou um daqueles pacotes (um presente), abraçando-nos (sempre sorridente) e nos disse:

- Vim para agradecer porque vocês aceitaram meu filho no grupo.  Ele sempre me falou da alegria e da bonita união que ele via em vocês, mas que não tinha coragem de procurá-los.

- Sempre me dizia que queria fazer parte para aprender a ser feliz como vocês  e após o dia em que ele teve a coragem de procurá-los, meu filho se tornou uma outra pessoa.

- Vocês conseguiram proporcionar a ele um sentimento, uma emoção, uma empolgação de viver, que mesmo com todas nossas posses jamais conseguimos.

Nos abraçou em lágrimas, beijou nossos rostos suados e empoeirados, despediu-se do filho, retornou ao carro acenando sorridente e foi-se dando tchauzinhos pela janela.

Após alguns segundos em silêncio, olhamo-nos uns aos outros, envolvemos o Luis Fernando num abraço coletivo, colocamos o presente num cantinho da quadra (nem abrimos) e dando gostosas gargalhadas arregassamos as barras das calças e fomos jogar bola.

Hoje, após cinco décadas deste episódio, reflito o quanto é verdadeira a frase que diz:

"A felicidade encontra-se escondida nas coisas simples da vida. Enquanto nos perdermos na ilusão de procurá-la nas complexidades do cotidiano, estaremos brincando de "esconde esconde" com a alegria"


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