quinta-feira, 9 de junho de 2016

A HISTÓRIA DO SR. JOÃO

Em um pequeno vilarejo, próximo à zona rural de uma também pequena cidade, existia uma feira de produtores, comum nestas localidades.

Todos os domingos o Sr. João, camponês que residia nas encostas da bonita serra que circundava a cidade, se fazia presente na feira com sua pequena carroça tracionada por um burrinho manso e gracioso, o "Teimoso"  que era alvo da atenção dos seus fregueses e recebia carinhos de todos.

O Sr. João vendia queijos fabricados por ele mesmo, com o leite tirado de suas duas vaquinhas. Vendia também doce de mamão, paçoca de amendoim, rapaduras, doce de leite e de abóbora. Sua esposa, habilidosa doceira,  garantia uma boa freguesia pela qualidade de suas guloseimas.

E o Sr. João, por anos consecutivos frequentou aquela feira, era muito querido pelos fregueses que o tratavam com muito carinho e respeito, auxiliando-o, inclusive, nos trocos, pois era totalmente analfabeto e tinha dificuldade com as contas.

Em um determinado dia, uma das suas freguesas assíduas o abordou perguntando se ele tinha alguma religião, se ele frequentava alguma igreja e ele, sorridente, afirmou que no alto daquela serra onde morava não tinha igreja não, somente mato e "bicho brabo".

Ela então, com ternura lhe disse que ele teria de procurar uma religião, mesmo que ele fosse somente uma vez ou outra na igreja. Que ele teria de frequentar um culto, "aceitar a Jesus" pois se não o fizesse, não obteria a salvação.

E o Sr. João, por detrás daquele sorriso largo, passou as mãos pela barba branca, tirou o chapéu, colocou sobre a banca e disse:

- Vou contar uma história para a senhora e depois fazer uma pergunta, posso?

No que aquela senhora aquiesceu de pronto, chamando outras amigas para também ouvir, que vieram animadas.

E ele disse:

- Oceis tão vendo aquele  montanha ?  Tão vendo  aquele pontinho branquinho no alto da serra?  Lá é minha casa. 

Todo domingo, saio de casa às três horas da madrugada para chegar aqui às seis horas mais ou menos.

É longe, o caminho é difícil e venho devagarinho para não cansar o Teimoso.

Quando o tempo está firme, gosto de vir por um ataio, pelo meio do mato, e venho sentindo o cheiro das árvores e das flores. É melhor porque tem menos poeira.

Agora, quando o tempo fica rebuscado, perfiro andar pela estradinha mesmo, pois o Teimoso anda mais rápido e chego mais depressa.

Agora, quando chove é que é problema, tenho que ficar trocando de caminho, porque tem horas que um fica  melhor e tem horas que o  outro é que fica.

Agora, eu pergunto, a senhora e os outros fregueis que estão ouvindo meu causo e que gostam tanto dos docinhos que a patroa faz, sentem alguma diferença nos doces ou nos queijos quando eu mudo o caminho, quando eu demoro mais ou demoro menos, quando o Teimoso empaca ou deixa de empacar?

Todos responderam unânimes que não, esperando o que ele diria a seguir.

Aí o Sr. João, todo sorridente e com a simplicidade dos humildes completa:

"- Pois é, eu acho que neste negócio de religião é mais ou menos assim também. 
O que importa é a "qualidade do doce" que levamos para oferecer a Deus depois que morremos, e não o caminho que escolhemos para chegar até lá, vocês não concordam?"


E todos sorriram admirando a sabedoria daquele camponês, que embora analfabeto, entendia o verdadeiro significado de ser bom, independentemente dos rótulos religiosos.

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