quinta-feira, 16 de junho de 2016

ANINHA E O GATINHO "VAQUINHO"

Aquela casa mais parecia um gatil.
Os donos, "gateiros inveterados" tinham nada mais, nada menos, que oito gatos.

Cada um de raça diferente, cada um mais lindo que o outro. 
Gatos de raça com "pedigree" e tudo mais, eram tratados com muito carinho e amor.

Cada qual tinha um nome (é até sobrenome, o da família, claro).
Cada qual tinha sua almofadinha para dormir, seu pratinho para ração e  a água era disponibilizada em um pequeno chafariz, para matar a sede dos bichanos.
Até o "banheiro", aquela caixinha com o famoso "pipicat" era individual.

Castrados, vermifugados, muito bem alimentados com ração de primeira qualidade, eram os reis da casa. 
Mandavam e desmandavam nos seus "servos humanos", que se derretiam diante dos felinos tão fofinhos.

Um certo dia, Aninha, de cinco anos, a caçula do casal, menina muito meiga e carinhosa, ao chegar na garagem do prédio viu um gatinho de rua.
Preto e branco, lembrava uma vaquinha holandesa e a menina logo o batizou de "Vaquinho", pois parecia ser um gato macho.

Magrinho, sujo, mancando de uma perninha, ao vê-la, o bichinho começou a miar olhando para ela com olhinhos meigos e com ar de sofrimento.
Ela, penalizada com as condições do bichinho, não hesitou, voltou correndo para o apartamento, pegou um pouco de ração dos seus gatos, preparou um potinho de água e os colocou na garagem, num cantinho discreto da parede.

O gatinho correu até o pote, comeu afoito e um pouco assustado toda aquela ração, tomou a água e se foi, puxando de uma das perninhas.

Aninha ficou feliz e embora morrendo de vontade, não comentou nada com a mãe.

No outro dia, desceu escondida, no mesmo horário e lá estava o bichinho de novo. 
Repetiu-se a cena e ela voltou para o apartamento feliz, por estar alimentando o bichano, mas ainda manteve segredo.

E assim passaram-se alguns dias, até que a mãe começa a perceber aquelas idas e vindas da garagem, com muita frequência.

Disfarçada vigia a filha e a segue, no momento em que a menina  desce.

Escondida, presencia a filha alimentando e acariciando aquele gato sujo, aparentemente doente, magro e pulguento, que agora já lambe as mãos da menina em agradecimento pela comida que ela levara.

A mãe dá um grito, a menina se assusta, o gatinho deixa a comida e sai disparado, mancando ainda mais da perninha machucada.

Ela vai apressada até a menina, com semblante carregado e voz áspera a repreende dizendo:

- Você não tem um pingo de juízo. Ficar mexendo com esses gatos de rua sujos e nojentos. Vai acabar levando doenças para os nossos em casa. Está proibida de fazer isso. Já temos oito gatos em casa para você curtir, larga de ser irresponsável.

Com tristeza, a menininha vê a mãe quebrar os dois potinhos, jogando a ração restante no lixo e a água fora. O gatinho, assustado, ainda com esperança de voltar para comer o restinho da ração, olha do outro lado da rua para a menina, com os olhinhos brilhantes e pidonhos.

A mãe pega a menina pelos braços, que sobe com os olhos marejados e soluçando e vai para seu quarto, abre a janela e fica olhando o "Vaquinho" que ainda está do outro lado da rua, na calçada.

Cansada e entristecida, Aninha deita e adormece. 
É acordada pela mãe para o jantar e quase não come.

Na hora de se recolher, como de praxe, chama a mãe para fazer a oração (sempre fez isso desde muito novinha e tornou-se um hábito da menina).

Ajoelham-se as duas, fecham os olhos e a menina começa a fazer sua pura e inocente oração:

"-Papai do céu, obrigado por este dia. Abençoa nossa noite de sono. 
Hoje eu tenho um pedido especial, eu queria pedir para o senhor ajudar o Vaquinho a encontrar uma outra menina que queira dar comida para ele, mas que a mãe dela deixe ela fazer isso porque eu não vou mais poder levar ração para ele na garagem.
E tenho ainda um outro pedido, não deixa eu crescer não, pois os adultos tem mania de tratar as pessoas que moram na rua como bicho e os bichos como lixo. Amém!"

Levanta-se, deita-se com um sorriso nos lábios com a certeza de que o Papai do Céu atenderia seu pedido.

A mãe também se levanta sorrindo, beija a testa da filha, puxa o edredon sobre ela e sai do quarto pensando:
 "- Quanta ingenuidade desta criança, com tantos gatos em casa, preocupar-se com um gatos de rua, como se fosse resolver o problema de todos os gatos abandonados, tratanto somente deste. Um dia ela amadurece, é apenas uma criança".

Em seguida, pega dois gatos persas no sofá, envolve-os em uma manta felpuda e os leva para cama, para dormirem junto com ela.

É tarde, quase de madrugada.
Em um outro prédio não muito longe dali, uma outra menininha quase da mesma idade sacode a mãe já adormecida no quarto, que acorda assustada:

- O que foi filha?

E a menininha diz:

- Mamãe, estou escutando um miado, não é do nosso gato porque ele está dormindo no sofá, vem da garagem, tenho certeza.

- A mãe imediatamente pula da cama, sem pensar duas vezes abre a janela e consegue ver um gatinho branco e preto mancando de uma das perninhas, andando pela garagem e miando.

Veste um agasalho e quando chega na sala a filha já estava agasalhada, com um potinho de ração e outro de água às mãos.

Descem as duas abraçadas e sorridentes e quando chegam na garagem lá estava ele, o Vaquinho, com os olhinhos tristes e pidonhos, implorando por comida.

Elas o acolhem, pegam o bichinho (muito manso), fazem carinho nele e o levam até o potinho.

E o bichinho sacia sua fome e mata sua sede, recebe carinho e amor naquela madrugada fria. 

Aninha,  no prédio ali próximo, dorme tranquila, com um semblante sereno e sorriso desenhado nos lábios.
Sonha com o Vaquinho, de barriguinha cheia, puxando a perninha e saindo de uma garagem onde mãe e filha acenam para ele jogando beijinhos.







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