terça-feira, 12 de julho de 2016

CENAS DA VIDA (OU DA LEI DE RETORNO)

Em um lugar distante da civilização, junto às matas  e dos rios vivia um ermitão.

Optara por viver só, na solidão daquela floresta, pois perdera as esperanças na raça humana, por ele considerada sádica e impiedosa.

Vivenciara uma experiência amarga, onde perdera um ente muito querido em um triste episódio que ainda o atormentava dia e noite.

De gênio impetuoso, se permanecesse na cidade,  em redor do infeliz cenário onde  o teatro da vida lhe infelicitara, seria capaz de cometer um desatino, ceifando também a vida do verdugo que tanto o fez sofrer.

E assim, aquele ermitão  viveu naquela gruta escondida em meio à floresta por longos e demorados anos.

No entanto, mesmo diante de uma natureza exuberante que causaria exclamações até ao mais insensível dos homens, aquele indivíduo vivia atormentado e infeliz.

Remoendo as mágoas e a inconformação, rememorava todas as noites, no momento em que se recolhia ao canto da gruta para dormir, as terríveis cenas do seu infortúnio.

A filha no leito do hospital, despedindo-se nos seus últimos momentos,  tornara-se uma cena que se fixara na sua mente. Aquilo para ele era um verdadeiro tormento e o torturava impiedosamente.

O que mais o revoltava era o fato dela ser uma moça bonita e saudável, cuja vida fora ceifada prematuramente porque o marido, mergulhado na promiscuidade e na infidelidade conjugal, a contaminara como uma impiedosa doença que aos poucos foi ruindo sua saúde.

Estas lembranças o faziam chorar todos os dias. Chorava até adormecer e sonhava com tudo aquilo acontecendo de novo. Não tinha paz nem dormindo.

Um dia foi acordado na madrugada com um estrondo e um clarão em meio à floresta.

Não era longe dali e de imediato correu até o local. Avistou um pequeno avião em chamas, dois corpos já sem vida que foram lançados longe e não muito distante algo se mexia.

Correu até lá e constatou que era um dos ocupantes daquele avião. Com o rosto queimado e gemendo, ainda estava vivo. Seu braço sangrava muito e ele parecia muito mal.

Depressa o socorreu, levou-o até a gruta. Lavou as feridas, estancou o sangue e o agasalhou junto à fogueira.

Ao terminar seu trabalho é que se deu conta de que estava também totalmente ensanguentado, nem suas roupas se salvaram, teve que queimá-las.

Cansado, acabou adormecendo junto com o rapaz do avião, e acordaram com a luz do sol já entrando pela gruta.

Na claridade do dia foi que conseguiu ver direito, horrorizado, a séria queimadura do rosto desfigurado daquele moço

Imaginou logo que ele não duraria muito ali. Sem recursos, uma infecção certamente o acometeria e ele não teria como fazer nada.

Mesmo assim, com os cuidados e atenção do ermitão, o rapaz, que além do rosto queimado ainda tivera uma lesão na coluna, ficando paralítico, ainda durou três longos e sofridos meses, vindo a falecer após este período.

Foram noventa dias de dedicação total à um jovem desconhecido que movimentava apenas a cabeça, que ficara cego devido ao fogo e que não pronunciava uma palavra sequer.

O ermitão, que já se afeiçoara ao jovem, sentiu um misto de alívio e tristeza, fez uma cova e o sepultou entre lágrimas.

A partir daquele episódio, aquele homem começou a sentir um estranho desânimo. 

Ficava doente constantemente, doenças que nunca o tinham afetado.

E foi através de uma dessas doenças, uma pneumonia muito grave que ele, sem recursos naquele lugar deserto e longe de tudo e de todos, também acabou partindo deste plano.

Ao chegar ao  Plano Espiritual, ainda sem entender muita coisa, foi atendido por uma equipe de espíritos atenciosos que o levaram até uma câmara de recuperação. Ele havia lido alguns livros Espíritas, assistido algumas palestras no Centro, e logo compreendeu o que havia ocorrido.

Algum tempo depois, já restabelecido e equilibrado, recebe com euforia a visita da filha no hospital. A emoção foi grande, abraçaram-se, beijaram-se e ela, sorridente e dócil, convida o pai para ver um filme.

Neste filme ele vê um casal envenenando um jovem, numa terrível trama passional. 

Após terminar aquela exibição ele enfim compreende tudo.

Aquele casal era ele e sua filha e o jovem envenenado era o marido dela, aquele rapaz que caiu do avião naquela selva e foi socorrido por ele.




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